Um estudo recente realizado por cientistas brasileiros e norte-americanos revelou uma forte redução na população de aves insetívoras na Amazônia, mesmo em regiões preservadas, sem interferência humana direta. Das 29 espécies analisadas em uma floresta intacta a cerca de 80 km de Manaus, 24 apresentaram queda populacional ao longo dos últimos 27 anos.
O foco da pesquisa foram aves que vivem no sub-bosque, camadas mais próximas ao solo da floresta, e que se alimentam principalmente de insetos. Essas espécies foram observadas ao longo de quase três décadas, com dados mostrando que a queda na população coincide com o aumento de períodos secos e a redução das chuvas na região.
Segundo os cientistas, a estabilidade climática que caracterizava a floresta amazônica está sendo comprometida pelas mudanças climáticas, afetando diretamente a vida selvagem, mesmo em áreas com vegetação intacta e sem histórico de desmatamento.
O estudo destaca que um aumento de apenas 1°C na temperatura média da estação seca pode reduzir em até 63% a taxa de sobrevivência das comunidades de aves. Esse aumento, embora pequeno aos olhos humanos, já vem sendo registrado na região central da Amazônia desde o início dos anos 2000 e tem efeitos devastadores sobre a fauna local.
Jared Wolfe, biólogo da Universidade Tecnológica de Michigan e autor principal da pesquisa, explica que, historicamente, a Amazônia ofereceu um clima estável por milhões de anos, permitindo que espécies únicas evoluíssem ali. No entanto, o ritmo atual das mudanças climáticas é muito mais acelerado, e as aves não têm tempo para se adaptar.
Além da sobrevivência reduzida, as aves enfrentam dificuldades reprodutivas. A escassez de alimento causada pela diminuição da população de insetos força essas espécies a conservar energia, muitas vezes interrompendo totalmente seus ciclos reprodutivos.
Entre as causas apontadas para o desaparecimento das aves, os pesquisadores destacam dois fatores principais: o estresse direto causado pelo calor e a redução indireta na disponibilidade de alimento.
De acordo com David Luther, da Universidade George Mason, o segundo fator é o mais preocupante. Aquecimento e secas prolongadas afetam o solo e os micro-habitats, reduzindo drasticamente a população de insetos. Como consequência, aves insetívoras perdem sua principal fonte de alimento e am a enfrentar sérios desafios energéticos.
Essa escassez gera um efeito em cascata. Com menos comida, as aves deixam de se reproduzir, o que, ao longo do tempo, compromete a renovação populacional e pode levar à extinção local de algumas espécies. É uma cadeia de impacto iniciada pelas mudanças no clima, que reverbera por todo o ecossistema.
A pesquisa também aponta que as espécies mais afetadas são aquelas com maior longevidade. Esses pássaros costumam investir mais na própria sobrevivência do que na reprodução, tornando-os ainda mais suscetíveis a desequilíbrios energéticos causados pela falta de alimento.
Em situações de escassez, essas aves optam por não se reproduzir, o que, segundo Wolfe, agrava a queda populacional. “Elas simplesmente não têm energia suficiente para se reproduzir com sucesso”, explica o biólogo.
O próximo o dos cientistas é ampliar o estudo para áreas fragmentadas da floresta e conduzir um experimento inovador em parceria com a Universidade Federal do Amazonas: a irrigação de uma área durante o período seco, a fim de avaliar como as aves respondem a um ambiente artificialmente mais úmido.
Os dados já obtidos são claros: o aquecimento global está impactando de forma direta e imediata a fauna da Amazônia, inclusive em regiões que antes eram consideradas refúgios naturais por sua integridade ecológica.
O estudo serve como um alerta contundente sobre os efeitos das mudanças climáticas e reforça a urgência de ações para conter o aquecimento global, sob risco de perdermos não apenas espécies, mas a complexa rede de vida que sustenta a maior floresta tropical do planeta.
Por que as aves estão desaparecendo mesmo em áreas preservadas da Amazônia. 25 de abril, 2025. Suzana Camargo.